Festival Cultivar – 6 anos!
Já são 6 anos que o Instituto Árvores Vivas organiza o Festival Cultivar, evento que acontece para levar mais oportunidades de reconexão das pessoas com a natureza. Toda programação é oferecida gratuitamente para todos interessados, crianças, famílias, grupos escolares. Nossa missão é criar uma agenda que promova o desenvolvimento da cultura ambiental em toda sociedade. Confira um pouco da edição de 2015 com os depoimentos da equipe de especialistas, oficineiros e participantes da nossa programação. http://www.youtube.com/watch?v=aGWLwPBhhKI
Pau-brasil, árvore preciosa
Se existe uma árvore que sempre está em pauta e atrai a atenção, seja no imaginário, na curiosidade, ou na conversa despretensiosa, essa árvore é o pau-brasil. Por inúmeras razões, mas talvez principalmente pelo fato de que você e eu, ao nascermos brasileiros, de alguma maneira já ficamos conectados com ela. Podemos dizer que pau-brasil faz parte da identidade primordial dos cidadãos brasileiros há, pelo menos, 500 anos. Ela é uma linda leguminosa que adora ambientes quentes e úmidos, natural da Mata Atlântica desde o estado do Rio de Janeiro até o extremo nordeste. Mas, atualmente, esta espécie tão simbólica é encontrada em todo o território brasileiro e, com certeza, além dele. Em geral, quem a planta deseja prestar uma homenagem à árvore símbolo do país, ou mesmo semear o carinho, cuidado e agradecimento por tantas irmãs que, ao longo da história, executamos. E isto é gravíssimo já que esta espécie está quase extinta na natureza devido aos abusos que sofre. Mas porque esta árvore tem sido tão visada? Lá no início da nossa história, por seu pigmento vermelho, extraído principalmente da madeira e usado para tingimento de tecidos da nobreza. Além disso, ela é a melhor madeira para a confecção dos arcos de violinos, sem falar de outros instrumentos e móveis diversos. Cientificamente, ela é Caesalpinia echinata, da família Fabaceae. E ainda recebe outros nomes populares: Ibirapitanga, pau-pernambuco, pau-de-tinta, orabutã. Entre suas características marcantes, estão: madeira vermelha, tronco e fruto espinhoso; folhas brilhantes, na cor verde-bandeira; flores amarelas vibrantes com miolos vermelhos; semente arredondada e achatada na cor marrom e casca acinzentada e descamante que revela sua cor, seu coração. Encontrar um pau-brasil pelo caminho, saber que ele está lá, é um momento único no tempo. Por isso, reverencie a existência e a presença dessa árvore preciosa. Mostre que se importa, conecte seu coração, a história da sua vida, e agradeça. De tempos em tempos, conduzo pequenos grupos de amigos e familiares, grupos escolares, crianças e grupos corporativos e espontâneos em caminhadas para restabelecer a conexão com a natureza. Trata-se do Passeio Verde, vivência na qual aplico, com maior profundidade, a metodologia de sensibilização que desenvolvi com o Instituto Árvores Vivas. São muitos os roteiros pelos quais conduzo essa vivência: parques e áreas naturais, praças, ruas e bairros arborizados, sítios e áreas de reserva particulares ou públicas. Aqui, em São Paulo, não é difícil encontrar o pau-brasil pelo caminho. E a maioria dos participantes das vivências revela não conhecer a árvore com propriedade. Eu e minha equipe estimulamos a apreciação mais aprofundada, o desenvolvimento de um repertório de percepção que inclui diversos sentidos. Convidamos todos a sentir os falsos espinhos (acúleos), o desenho e a textura das folhas e da casca; o aroma das flores, quando na primavera, e, se tivermos sorte, encontrar suas vagens e sementes. Mas, mais do que tudo isso, convidamos todos a sintonizar com essa espécie de forma mais sutil. Existem indivíduos de pau-brasil antigos, alguns centenários, outros (raríssimos) com dois séculos de vida. Aparentemente, existe uma árvoreno estado da Bahia, com cerca de 500 anos. Mesmo assim, a espécie segue ameaçada de extinção no ambiente natural, segundo dados da Lista Vermelha da IUCN – International Union for Conservation of Nature. Nestes anos de vivência com o pau-brasil, conheci alguns exemplares marcantes e antigos. Um deles, mora no meio da cidade de São Paulo, no bairro da Vila Madalena, onde, sempre que dá, levo os grupos para conhecer. E este sempre é um momento precioso. Mas, independente desse trabalho, a visito com frequência, sozinha ou com minha família e amigos. Sempre agradeço muito sua existência e passo algum tempo admirada e encantada. Para estimular ainda mais estes encontros preciosos, convido você a participar do primeiro mapeamento colaborativo do pau-brasil. Com ele, quero organizar as informações a respeito de todos os indivíduos da espécie existentes no país, que a sociedade pode ajudar a monitorar e cuidar. Será um trabalho contínuo, com o qual todos podem colaborar. Este é o primeiro mapeamento de uma série que serão lançados, sendo um para cada árvore marcante dos nossos caminhos. Quer ser guardião do pau-brasil? É simples e fácil: basta acessar o formulário e preencher os campos com as informações solicitadas sobre cada árvore. Vai ser um prazer enorme contar com você e todas as pessoas comprometidas com a conservação desta espécie tão simbólica para todos nós. Foto: Juliana Gatti
A conexão essencial com as árvores
por Juliana Gatti – post originalmente publicado no portal Conexão Planeta em 9 de novembro de 2015 Sempre que você encontrar (reparar em) uma árvore, é importante ter consciência de que está em contato com uma das estruturas mais elaboradas, essenciais e completas da natureza. Uma árvore não é um ser isolado: é uma rede de interações, trocas, doações e conexões. Se, com nosso olhar, tivéssemos a capacidade de enxergar todas essas redes de contato estabelecidas entre árvores e outros seres, elementos e processos, elas certamente não passariam despercebidas. Pelo contrário, acredito que não haveria ser humano capaz de ameaçar a existência e a segurança das árvores. Desde a primavera de 2006, quando idealizei o Instituto Árvores Vivas, isso ficou muito claro para mim. Cada árvore é um ser conectado com tudo à sua volta, garantindo qualidade de desenvolvimento para inúmeros seres e sistemas, configurando-se em suporte imprescindível para a vida neste planeta. Percebi que estas conexões vão além dos aspectos biológicos e ecossistêmicos. Enxerguei a árvore como um ser a partir do qual podemos relacionar todas as áreas de estudo e do conhecimento, seja sobre aspectos da história dos povos, seus mitos e culturas, seja na elaboração de cálculos e soluções nas mais avançadas pesquisas tecnológicas ou de engenharia. Para mim, árvores são plenas e repletas de sabedorias que podemos aprender a receber. Esse olhar tecnológico tem sido traduzido e desvendado por pesquisadores e cientistas. A equipe do projeto Árvore Ser Tecnológico, por exemplo, tem feito um lindo trabalho de tradução desses conceitos para o público, a partir das pesquisas do cientista Antonio Donato Nobre. Incrível imaginar a capacidade de bombeamento de água de uma árvore do porte de uma sequoia, ou as estratégias reprodutivas e de crescimento que seguem padrões e dão respostas afinadíssimas com o ambiente onde vivem. Impressionante ainda a capacidade de comunicação entre plantas que tem sido desvendada, seja por partículas de odor espalhadas pelos ventos, seja por uma extensa rede de conexões no subsolo composta por suas raízes e auxiliada pelas estruturas vegetativas dos fungos. Estas conexões podem comunicar perigo e ameaças de plantas próximas, além de distribuir nutrientes entre elas. São tantas as vidas conectadas às árvores e às florestas! São tantas as maneiras como estas conexões são estabelecidas! Como podemos não sentir, não valorizar, não agradecer e não lutar pela sua preservação? Será que estamos tão cegos assim? Fechados e limitados? Esse estado é um desejo humano? Como podemos construir essas barreiras de conhecimento, percepção e sentimento em nossas vidas? Esse tipo de conexão consciente precisa ser resgatada e restabelecida. Por isso, tenho me dedicado há tantos anos à promoção e ao desenvolvimento da cultura ambiental na sociedade e, principalmente, entre as crianças. É imprescindível compreender que a natureza está totalmente conectada a nós e nós a ela. Essa percepção precisa acontecer dentro do coração e não ser uma reação diante das crises que estamos vivendo. Precisamos enraizar a semente de que somos natureza em nosso ser. As redes sociais, como conhecemos e usamos hoje, são reproduções dessas conexões. Somos interdependentes e toda instabilidade dessas conexões nos afeta. Proponho, então, um exercício para todos os dias, uma prática simples a ser adotada em poucas etapas: – Escolha e conecte-se com a árvore que mora mais perto de você; – Crie um pequeno diário sobre esta árvore com anotações simples e diretas das suas observações; – Você pode fazer esse exercício sozinho ou com sua família e amigos: antes de começar, respire fundo algumas vezes, sempre de olhos fechados para poder abri-los e ver algo novo; – Mantenha a mente aberta e sem limites, não julgue suas observações; – Faça suas observações por etapas ou setores, por exemplo: árvore inteira, casca, galhos, folhas, raízes, flores, frutos, sementes; – Marque sempre o dia e o horário de sua observação; – Não se preocupe em usar nomes científicos ou “precisos” de tudo que observar e, se preferir, desenhe; – Anote informações sobre cores, desenhos, temperatura, umidade, sons, formas, outras plantas e animais vistos na árvore, além de qualquer aspecto ou situação que chame sua atenção; – Deixe sua observação conduzir você: deixe-se levar por sentimentos, valores, percepção de movimento, continuidade, estruturas; – O ideal é fazer uma observação por dia e focar. Evite fazer uma lista enorme de tudo que você percebe em suas observações. São tantas as possibilidades e em tantas escalas – árvore inteira ou um micro detalhe – que não há como observar tudo de uma só vez. Imprima um ritmo às suas observações: uma por dia é ideal e ajudará você a estabelecer uma conexão também com o tempo da natureza; – Procure fazer essa conexão e observações de maneira analógica, isto é, sem celular, sem foto. Aproveite o momento da conexão e da observação, que pode acontecer em qualquer lugar, a qualquer momento, mas sem a interferência de nenhum tipo de instrumento além da sua existência e da própria árvore. Essas dicas de exercício de conexão poderão revelar muitas novas percepções. Você pode notar, inclusive, que, ao passar dos dias, você comece a notar mais da vida à sua volta e dentro de você do que antes. É possível que comece a “brotar” a semente de conexão com a sua natureza essencial. Quem sabe essa experiência ajude a despertar soluções, respostas e percepções inovadoras em sua vida. Observar a árvore do seu caminho com mais profundidade e atenção poderá se revelar a porta para um mundo interior bastante significativo. Que tal praticar, todos os dias, essa conexão atenta com as mestras árvores e toda a natureza? Fotos: Pixabay – Huskyherz e Unsplash
Paineira, a árvore maravilha
por Juliana Gatti originalmente publicado no portal Conexão Planeta em 02 de novembro de 2015 Como já escrevi no blog do Conexão Planeta, muitas são as árvores que marcaram a minha vida. Em cada momento, uma espécie diferente, de maneira especial, me ensinou uma capacidade ou um valor a partir da sua existência e presença. Cada árvore é única em sua identidade, energia e simbologia. Insisto, cada arquitetura – ou formato característico de crescimento de cada espécie – e formas únicas transmitem especial sabedoria se soubermos nos conectar ao aprendizado que transmitem. Cerca de 10 anos atrás, as paineiras começaram a marcar minha vida. Ao passar um período de descanso no sitio do meu avô, que frequentei constantemente na minha infância no interior de São Paulo, reparei em uma árvore incrível beirando a estrada já perto do destino final. Porte grande, copa arredondada, tronco largo, com uma base incrivelmente assentada, enraizada no solo. Aquela base, quase como se fosse uma grande barriga e uma cintura sustentando toda sua grandeza, chamou muito minha atenção. Uma árvore de presença fenomenal, que não saiu da minha cabeça durante os dias que passei lá. Na volta para a cidade, já no fim da tarde, parei o carro na beira da estrada e fui até ela. Estava sem folhas, sem flores, mas com frutos incríveis; seu formato lembrava abacates. Ao chegar mais perto, vi que ela tinha muitos espinhos na casca e, no chão, haviam chumaços de uma fibra branca parecida com algodão. Parecia um sonho, uma árvore que desprende “algodão” dessa maneira, deixando o chão à sua volta lembrar uma grande nuvem. Fiquei ali por um período até encontrar um fruto quase inteiro no chão, com todo esse “algodão” compactado e um pouco úmido. Quando cheguei em casa logo fui pesquisar mais sobre essa árvore incrível, nos livros e na internet. A paina – como chamamos a fibra que fica dentro do fruto – não tem comprimento fibroso suficiente para se produzir tecido, mas é muito útil para enchimentos de colchões, travesseiros, brinquedos e, até mesmo, coletes salva-vidas, já que não absorve água e flutua. Paineiras atualmente são da família botânica Malvaceae – antes eram classificadas como da família Bombacaceae. Essa é uma família bastante grande com mais de 90 gêneros e 700 espécies, sendo que cerca de 400 dessas espécies ocorrem exclusivamente no Brasil. E, dentro desta família, encontramos o gênero do cacau, chichá, hibisco, malvavisco, monguba e muitas outras árvores e plantas conhecidas por nós. Também fazem parte destes números plantas de diversos portes e configurações – terrestre, aquática e rupícola, mas quando falamos do gênero da paineira, chegamos em seis espécies de árvores endêmicas no Brasil. A Ceiba speciosa, ocorre em outros países além do Brasil e possui muitos nomes comuns que variam conforme a região: barriguda, árvore-de-lã, árvore-de-paina, paineira-rosa, paineira-branca, paineira-fêmea, samaúma, paina-de-seda, entre outros. Sua presença é quase materna, e não se trata de uma referência ao gênero feminino e masculino explícitos na sua flor, que possui tanto estruturas masculinas como femininas. Naturalmente, as paineiras e as árvores do gênero Ceiba são majestosas, acolhedoras em suas raízes e aconchegantes para nos recostarmos em seu formoso tronco e, muitas vezes, parecem barrigudas, como se estivesse gravida. São muito marcantes, tanto que, na mitologia maia, são reverenciadas como árvores sagradas. Esse fruto que trouxe comigo para a cidade, me proporcionou uma experiência memorável. A literatura sobre a espécie indicava: coloque uma peneira sobre o fruto aberto e leve ao sol, sem saber muito bem o que aconteceria fiquei atenta. Então, a mágica aconteceu: toda aquela paina soltou-se da casca e começou a voar. Um voo delicado, era uma dança com o vento. No meio de cada pequeno chumaço a pequena semente de uma nova paineira. Logo comecei a coletar as sementes que eram muitas e, no mesmo dia, coloquei todas elas para germinar. Cada duas ou três em um pote e, assim, começou o que hoje é o viveiro do Instituto Árvores Vivas, que dirijo: um lugar para experimentar a natureza desde as sementes. Foram mais de 100 árvores que se formaram e muitas delas plantadas na cidade de São Paulo, inclusive em locais históricos. Outras tantas foram doadas para plantio em outras cidades. Outras ainda, plantadas em praças públicas ou canteiros de avenidas, não resistiram à manutenção dos matos e gramados. Mas as que resistiram, sempre que posso, vou visitar. Hoje, já são mais altas que eu – tenho 1,75 m – devem ter quase o dobro da minha altura na verdade; crescem rápido e são lindas. Admiro cada uma delas como se, de alguma maneira, eu tivesse sido uma mãe para todas. Paineiras chamam sempre minha atenção! Nos últimos dez anos, visito muitas delas. Quando florescem, presencio um dos mais lindos espetáculos na Terra. Aqui, em São Paulo, existem muitas paineiras perto do Parque Ibirapuera e nos canteiros centrais do caminho da Lapa para o Parque Villa Lobos. Existia um grande grupo que morava nas margens da ponte da Casa Verde na Marginal Tietê, mas após uma obra de 2009, poucas sobreviveram. Tem uma paineira que vive em uma das pontas do controverso Minhocão, de frente para a Praça Roosevelt, quase no final da Rua da Consolação. E uma outra, de flores brancas, no Largo do Arouche. Na praça Duque de Caxias há muitas outras e, em cada praça e parque, certamente você pode encontrar uma linda paineira. Suas flores incríveis ou elas inteiras são inesquecíveis. E onde estão as paineiras da sua cidade? Já se maravilhou com elas hoje? Fotos: Juliana Gatti
O jequitibá-rosa e as futuras gerações
por Juliana Gatti publicado originalmente no portal Conexão Planeta no dia 26 de outubro de 2015 Este ano, aconteceu mais uma edição (a sexta!) do Festival Cultivar, evento que organizo anualmente, no mês de setembro, desde 2010, e tem a missão de desenvolver cultura e sensibilização ambiental, reconectando as pessoas à natureza. Na realização deste projeto, conto com a participação do biólogo Sandro Von Matter (que assina o blog Avoando, aqui no Conexão) e de uma grande equipe de colaboradores. Muitas foram as alegrias ao longo desses dias repletos de atividades, mas quero destacar, aqui, a Expedição Folclórica ao jequitibá-rosa, que encerrou o evento. Esta árvore imponente é um símbolo importantíssimo do estado de São Paulo e, certamente, do país. Está protegida dentro da pequena reserva do Parque Estadual do Vassununga, na cidade de Santa Rita do Passa Quatro, cerca de 245 km da capital paulista. Seu tamanho é impressionante: ela tem cerca de 40 metros de altura, 11,3 metros de circunferência e 3,9 de diâmetro (na altura do peito). Estas proporções incríveis também são encontradas em um outro exemplar desta espécie que vive no Espírito Santo. Além disso, pesquisadores estimam que esta árvore, em particular, tem idade estimada entre 700 anos e mil anos, por isso é também conhecida como Pé de Gigante e Patriarca das Florestas. O jequitibá-rosa é considerado a maior árvore da Mata Atlântica e está classificada como espécie em risco de vulnerabilidade na Lista Vermelha da IUCN. A reserva, que antes fazia parte da Usina Açucareira Vassununga, completa – exatamente hoje, 26 de outubro – 45 anos desde a publicação do Decreto Estadual que a formaliza como Unidade de Conservação. Composta por seis glebas diferentes na região, a reserva tem a maior concentração de jequitibás-rosa do país e resguarda, ao menos de forma mínima, a fauna e flora que um dia habitavam a região. Sempre falo desse grande jequitibá em quase todas as atividades que conduzo, e vejo que poucos sabem de sua existência. E, quando sabem, ainda não a conhecem pessoalmente. Em Santa Rita, descobrimos que a maioria dos moradores da cidade não tem o hábito de visitá-la e, muitas vezes, mesmo vivendo a vida inteira ali, não conhecia a reserva. Isso me remete ao processo de conhecimento e pertencimento sobre o qual já escrevi aqui no blog. Como vamos cuidar de algo se não nos sentimos vinculados a ele? Por isso, essa expedição foi tão forte e necessária. Recebemos turmas de alunos de escolas da cidade, crianças atendidas por uma creche e, também, um grupo de idosos. Unimos o passeio à tradicional trilha que acontece ao longo do trajeto, conduzida por duas artistas: Juliana Bazanelli e Aila Rodrigues. Trata-se de uma apresentação interativa na qual elas representam personagens do folclore brasileiro. Por meio dessa performance, elas despertam os sentidos de todos os participantes para a rica diversidade da fauna e flora, estimulando contatos e observações criativas, junto com a construção de memórias que vão certamente perdurar para toda a vida, inclusive em histórias que todos os presentes irão compartilhar com filhos, netos e familiares. O jequitibá-rosa – ou Cariniana legalis – é da família botânica Lecythidaceae, que engloba também outras árvores muito conhecidas como a castanheira-do-pará, a sapucaia, a biriba, o abricó-de-macaco e o jequitibá-branco. São cerca de 300 espécies distribuídas em todo o mundo, sendo que pouco mais de 1/3, que pertencem a dez gêneros, são nativas do Brasil, encontradas principalmente na Amazônia, na Mata Atlântica, na Caatinga e no Cerrado. Suas flores são incríveis e os frutos têm formato de copos ou cumbucas que fazem nosso imaginário borbulhar de tão diferentes que são. Fortes e pesados por serem lenhosos, os frutos do jequitibá lembram um pequeno copo com uma espécie de tampa, que se desprende quando maduro. Dizem que o saci e muitos índios faziam seus cachimbos utilizando esse fruto, por isso o outro nome popular da árvore é cachimbeiro. Quando apresento a mesa de elementos das árvores com frutos e sementes de algumas dessas espécies – e também quando montamos a Exposição da Biodiversidade na Cultura Brasileira, sobre a qual contarei em outro texto -, estas estão entre as espécies mais chamativas, que promovem maior interação com o público. As crianças simplesmente adoram, querem sentir os frutos de diversas maneiras, escutando os sons que podem tirar deles e brincando com as castanhas, que também são um alimento muito rico. Os vínculos e valores que podemos desenvolver ao nos relacionar com as árvores e a natureza é algo precioso, por isso deveriam se tornar cada vez mais constantes e parte da vida de todos os brasileiros. Se aprendemos a respeitar e a valorizar a vida de uma árvore que acompanhará nossa vida e a das futuras gerações, aprendemos a cuidar e a nos relacionar de uma maneira mais amorosa com todo o mundo que nos cerca. Na semana passada, em uma ação do Instituto Árvores Vivas, conduzi junto com monitores e diversas crianças de São Miguel Paulista – um distrito da região leste de São Paulo – o plantio de 11 árvores, incluindo um jequitibá. Foi durante uma ação promovida pela Fundação Tide Setúbal no Parque Jacuí. O amor e o carinho que as crianças demonstraram ao realizar esse plantio, certamente ficou plantado em seus corações. Que as sementes desse amor se multipliquem! Agora, veja (abaixo) a majestade do jequitibá-rosa! A foto é a mesma que abre este post; a tirei no dia da expedição que realizamos com a turma de idosos. Todos os anos, visito esta árvore ao menos duas vezes. Perto dela sinto acolhimento, colo, casa. É muito parecido com o sentimento que a “grande mãe” samaúma da Amazônia provoca em mim. Grandioso e tão especial, este jequitibá-rosa viu tudo modificar-se à sua volta. Viu a estrada ser construída e muitas das suas irmãs, mães e parentes nascerem, crescerem e morrerem. Quantas aves já fizeram seus ninhos nela? Quantos mamíferos se aconchegaram lá para dormir? Qual a diversidade de plantas que vive na copa deste grande jequitibá? A presença dela pede silêncio, agradecimento profundo, contemplação meditativa. Espero que você possa visitá-lo logo mais. Fotos: Juliana Gatti
Tempo e ciclos da natureza
por Juliana Gatti Originalmente publicado no portal Conexão Planeta em 19 de outubro de 2015 Aqui, em São Paulo, um mesmo dia pode contemplar todas as estações, inúmeras vezes. Nos últimos tempos, com as mudanças climáticas e o desmatamento constante, estas alterações ficam ainda mais extremas. É perceptível na nossa pele, nos nossos pulmões, no apetite e em todas as respostas metabólicas do nosso organismo. No entanto, se passamos muito tempo dentro de ambientes controlados e fechados como, por exemplo, locais com ar condicionado, mal notamos essas mudanças. Como estou sempre atenta às árvores que coabitam as cidades com todos nós, cada mudança pela qual passam causa grande impacto na minha percepção do mundo. O tempo da natureza é um tempo sábio e verdadeiro, e ter perdido esta referência, pelo menos a consciência dela, certamente não nos ajuda. De alguma maneira, a fragmentação da sociedade – principalmente urbana – em relação à natureza, leva cada um de nós a acreditar em grandes ilusões. Você já reparou quantas vezes se sentiu incomodado por imaginar que as coisas deveriam ser resolvidas quando mandamos um e-mail, uma mensagem de celular ou, ainda, esperando que as soluções brotem da tela do computador, construídas e definidas? Chegamos ao ponto de nos iludir com a velocidade do clicar como a mais concreta das ações, acreditando que ali está tudo que é preciso ser feito. A natureza nos ensina, em cada pulsar, o contrário disso. Não existe mágica, existe construção contínua conectada com o primeiro eterno impulso, que brotou de uma semente. Você já parou para refletir com profundidade sobre isso? Ou ao menos dedicar um pouco do seu tempo para observar atentamente a construção natural à sua volta? Como é que uma pequenina folha lá no alto se sustenta? Qual a importância dessa folha ou folíolo no todo de uma árvore? Com as árvores podemos nos lembrar de que somos um conjunto de elementos e nada cumprirá sua função sozinho ou isoladamente. A folha é a garantia de alimento para a árvore e é tão importante quanto a micro pilosidade das raízes que absorvem água e nutrientes do solo onde ela está. Assim como a madeira que funciona como a grande estrutura sustentadora e conectora dessas partes, recoberta por xilemas, floemas e casca que mantém unido e estável o corpo deste grande ser. A semente que ela um dia foi, a essência – que podemos chamar de propósito de ser – está presente em cada molécula desta árvore. Quando vejo uma pitangueira florescendo em abundância – espécie que não tão comumente floresce desta maneira -, ou percebo um atraso na queda das folhas do grande jequitibá-branco e que, de repente, em apenas três dias, ele as perde de uma única vez, devo confessar que fico um pouco assustada. O clima extremo tem provocado reações extremas, mas as árvores, diferente de nós, nunca perdem sua conexão: respondem de maneira coerente e alinhada com os estímulos do ambiente local e global em que vivem. Nós, ao contrário, camuflamos nossas percepções, vivemos com referências controladas como as informações oferecidas nas telas dos computadores. Estamos, no mínimo, em suspensão. Somos seres completos, em nós mesmos: temos raízes e folhas e, dentro de nós, a essência, o propósito. Uma jaqueira não irá encontrar sua essência na semente de uma romãzeira. Nosso tempo de descoberta e percepção é único, assim como é estruturada a madeira de cada espécie. Existem as de crescimento rápido e vida curta, mas também existem as de crescimento muito lento e vida milenar. Ambas vivem no mesmo espaço, e a floresta – tão especial e rica, tão mágica e plena – só é possível porque, todos os dias, elas estão conectadas com sua essência, respeitando seu tempo, respondendo com suas capacidades aos estímulos do mundo em seu entorno. No desenvolvimento, no crescimento, no ser e no agir, descobrem suas novas possibilidades, estabelecem novos encontros e dão continuidade ao ciclo de suas vidas. E nós? Estamos conseguindo nos manter conectados com o tempo e o fluxo naturais da nossa existência? Foto: Juliana Gatti
Todo dia é Dia das Árvores
por Juliana Gatti post originalmente publicado em Conexão Planeta no dia 21 de setembro de 2015 – dia da árvore Elas estavam aqui antes de nós e vão continuar aqui depois de todos nós. Oferecem tanto, tanto… e nós? O que oferecemos para elas? Ao longo da minha vida, desde quando era bem pequenininha, lembro de estar perto das árvores. Jabuticabeira, amoreira, abacateiro. Pessegueiro, pinheiro, mangueira e paineira. Goiabeira, bananeira, palmeira. Quaresmeira, araucária, embaúba, manacá. Eritrina, ipê-verde, jatobá. Sapucaia, samaúma, angelim, copaíba, pau-brasil. Jacarandá, jequitibá, cedro-rosa e chichá. Urucum, jenipapo, ipê-branco, pau-mulato. Canafístula, sibipiruna, chuva-de-ouro. Tamarindo, seriguela, cambuci e cambucá. Grumixama, uvaia, cabeludinha e candeia. Palmeira juçara, buriti, pupunha e jerivá. Pau-formiga, laranjeira, guanandi, oliveira. Ipê-roxo, amarelo, branco e rosa. Figueiras e alfarrobeiras. Guapuruvu, carvalho, angico e seringueira. São tantas e tão únicas. Ao digitar aqui cada um destes nomes comuns pelos quais muitos de nós as conhecemos, imagens se formaram em minha memória. Pude rever cada uma delas, diversas e únicas, mesmo quando da mesma espécie. Lembro como cada uma, em locais e momentos diferentes, marcaram a minha vida quando as encontrei. Com tanto amor que sinto pelas árvores, minha memória e o dia-a-dia permitem viver a preciosidade dos encontros do passado, a alegria dos encontros presentes, os aprendizados e descobertas que obtive, e todos os ganhos de estar perto de cada uma delas. Grandes mestras. As sinto e as vejo com mães e pais, antigas e respeitosas senhoras; irmãs, irmãos; jovens mocinhas; bebês vibrantes que anseiam o germinar. Serenidade, nelas encontrei. Plenitude também. Respostas para recuperar a saúde física e emocional, através de insights ou sonhos. Muitas vezes me abri e busquei apoio ou ajuda sentada junto às raízes, encostada junto ao tronco ou reclinada sobre seus galhos. Admirando a presença delas através do olhar e dos sentidos. Recebi ricas ferramentas e informações que precisava e com as quais podia lidar. Como uma grande benção, sinto que elas me conhecem mais do que posso vir a conhecê-las. Para escrever essa singela homenagem, no dia que escolhemos dizer que é delas – afinal hoje é 21 de setembro, Dia da Árvore –, li e reli inúmeros cadernos meus de viagens, diários, blocos de anotação e cadernos de desenhos onde nos últimos 10 anos da minha vida tenho realizado e permitido esse aprendizado constante junto a elas. Reencontrei folhas e flores que coletei sob suas copas. Reencontrei poemas e artes que sintonizavam cada emoção. Dentre tantos e tantos encontros com as árvores, deixo aqui registrado e compartilho com vocês algumas inspirações e aprendizados. Um grande viva para todas as árvores, elas merecem nosso puro amor, cuidado, respeito e carinho! “A árvore é, olhar e reconectar. Redescobrir o espelho da plenitude que somos”. “Quando minha semente foi formada Depois de uma linda e colorida floração Fiquei quietinha, apertada e protegida Dentro do fruto que crescia, crescia… Suculento e cheio de polpa, até amadurecer Abrindo-se para liberar suas sementes, minhas irmãs Que já estão prontas para nascer. Não sei como serei Não sei como será Mas temos a coragem para ser A mudança desde já” “Deitei-me ao galho recaído, Que deseja tocar a terra Seu corpo acolhe toda vida em harmonia Em sua expressão encontro a minha Cresce com força, sem perder a delicadeza”. Foto: Juliana Gatti
Sensibilizar para conhecer
por Juliana Gatti O que conhecer significa para você? Nos dicionários temos por definição: perceber e incorporar à memória; tomar ou ter consciência de; ser apresentado a; ver, visitar; manter relações pessoais mais ou menos estreitas com; estar familiarizado com; sentir como sendo familiar; reconhecer; apreender certa e claramente com a mente ou os sentidos; ter cognição direta de; perceber; experimentar; passar por; estar informado da existência de alguém ou de algo. De origem etimológica do latim cognōsco,is,ōvi,ĭtum,cognoscĕre ‘aprender a conhecer, procurar saber, reconhecer’. Sendo assim, quanto da natureza podemos dizer que realmente conhecemos, experimentamos, percebemos e nos sentimos familiarizados? Hoje, desde que acordou até agora, percebeu quantas árvores no seu caminho? Quais espécies são? Reconhece-as em vários lugares por onde passa? Já tocou suas flores, casca, frutos e sementes? Aquela da frente da sua casa você conhece de verdade? Sabe quem plantou ou quantos passarinhos fazem ninho nela? A maioria das pessoas com quem tenho trabalhado ao longo de nove anos à frente do Instituto Árvores Vivas diz que não. O estágio de vínculo, conhecimento e reconhecimento natural é bastante baixo no Brasil. Isso em meio a uma biodiversidade gigantesca. A metodologia que desenvolvi ao longo de tantos anos de prática consiste em um trabalho sustentado por 3 pilares do conhecimento: – a informação, que atende o valor do conhecimento intelectual, histórico e científico sobre a natureza; – a experiência multissensorial, que estimula o desenvolvimento de um repertório profundo de sensibilização e reconhecimento e – o resgate da memória somado à empatia, promovendo o estágio de enxergar a si mesmo e suas origens na flora, fauna, sistemas e ciclos presentes em toda paisagem. continue a leitura deste post aqui publicado originalmente no portal Conexão Planeta em 31 de agosto de 2015 Foto: acervo Árvores Vivas
De onde vem a árvore?
por Juliana Gatti Que existem árvores nas cidades, a gente sabe. Elas estão por ai! Mas, e hoje, com quantas você encontrou no seu caminho? – No meu caminho? Árvores? Acho que não tem nenhuma. Calma, calma. Vi uma. Me lembrei porque é um ipê-rosa, está bem florido agora no inverno. E outras árvores? Tem certeza de que não tinha mais nenhuma? – Difícil dizer, né! Elas são todas iguais. A parte de cima verde, tronco marrom. Acabo nem prestando atenção direito, elas passam despercebidas. Mas tem algum momento em que você percebe mais as árvores? – Ah, claro, é uma delícia quando estão com frutas. Adoro comer fruta no pé. Na cidade faço isso muito pouco. Ando mais de carro, taxi ou de metrô. Caminho pouco pelas ruas. Acho que na cidade árvore não deve dar fruta. Árvores são tão importantes que a presença delas é como um universo de sabedorias, de trocas, de ciclos. Recebemos presentes e condições de vida diretamente da existência de cada uma, mas o que damos em troca? Precisamos dar algo em troca? De onde vem a árvore? continue a leitura aqui publicado originalmente no portal Conexão Planeta 24 de agosto de 2015
Caminhos da vida e encontros com a natureza
por Juliana Gatti Sempre que posso, retomo com mais profundidade lembranças dos momentos da minha vida que permitiram moldar os caminhos e motivos pelos quais escolhi desenvolver projetos que promovem o encontro das crianças e dos adultos com a natureza por meio da arte. E também criar, em 2006, o Instituto Árvores Vivas que também dá nome a este blog. Com a realização de cada ação e atividade, verifiquei que aplicar estes projetos com todos os tipos de público – mas em especial as crianças -, provoca impactos importantíssimos em uma sociedade que não deve/pode esquecer de suas raízes. Somos um país rico em biodiversidade e este valor que resguarda nossa identidade cultural nunca deveria ser esquecido por nós. Da mesma maneira, cada povoado pelo mundo tem as condições naturais onde vive sua essência. Post originalmente publicado no portal Conexão Planeta em 17 de agosto de 2015 Foto: ©Digitalphotonut|Dreamstime Stock Photos