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por Juliana Gatti

Originalmente publicado no portal Conexão Planeta em 19 de outubro de 2015

Aqui, em São Paulo, um mesmo dia pode contemplar todas as estações, inúmeras vezes. Nos últimos tempos, com as mudanças climáticas e o desmatamento constante, estas alterações ficam ainda mais extremas. É perceptível na nossa pele, nos nossos pulmões, no apetite e em todas as respostas metabólicas do nosso organismo. No entanto, se passamos muito tempo dentro de ambientes controlados e fechados como, por exemplo, locais com ar condicionado, mal notamos essas mudanças.

Como estou sempre atenta às árvores que coabitam as cidades com todos nós, cada mudança pela qual passam causa grande impacto na minha percepção do mundo. O tempo da natureza é um tempo sábio e verdadeiro, e ter perdido esta referência, pelo menos a consciência dela, certamente não nos ajuda.

De alguma maneira, a fragmentação da sociedade – principalmente urbana – em relação à natureza, leva cada um de nós a acreditar em grandes ilusões. Você já reparou quantas vezes se sentiu incomodado por imaginar que as coisas deveriam ser resolvidas quando mandamos um e-mail, uma mensagem de celular ou, ainda, esperando que as soluções brotem da tela do computador, construídas e definidas? Chegamos ao ponto de nos iludir com a velocidade do clicar como a mais concreta das ações, acreditando que ali está tudo que é preciso ser feito. 

natureza nos ensina, em cada pulsar, o contrário disso. Não existe mágica, existe construção contínua conectada com o primeiro eterno impulso, que brotou de uma semente. Você já parou para refletir com profundidade sobre isso? Ou ao menos dedicar um pouco do seu tempo para observar atentamente a construção natural à sua volta?

Como é que uma pequenina folha lá no alto se sustenta? Qual a importância dessa folha ou folíolo no todo de uma árvore? Com as árvores podemos nos lembrar de que somos um conjunto de elementos e nada cumprirá sua função sozinho ou isoladamente. A folha é a garantia de alimento para a árvore e é tão importante quanto a micro pilosidade das raízes que absorvem água e nutrientes do solo onde ela está. Assim como a madeira que funciona como a grande estrutura sustentadora e conectora dessas partes, recoberta por xilemas, floemas e casca que mantém unido e estável o corpo deste grande ser. A semente que ela um dia foi, a essência – que podemos chamar de propósito de ser – está presente em cada molécula desta árvore.

Quando vejo uma pitangueira florescendo em abundância – espécie que não tão comumente floresce desta maneira -, ou percebo um atraso na queda das folhas do grande jequitibá-branco e que, de repente, em apenas três dias, ele as perde de uma única vez, devo confessar que fico um pouco assustada. O clima extremo tem provocado reações extremas, mas as árvores, diferente de nós, nunca perdem sua conexão: respondem de maneira coerente e alinhada com os estímulos do ambiente local e global em que vivem. Nós, ao contrário, camuflamos nossas percepções, vivemos com referências controladas como as informações oferecidas nas telas dos computadores. Estamos, no mínimo, em suspensão. 

Somos seres completos, em nós mesmos: temos raízes e folhas e, dentro de nós, a essência, o propósito. Uma jaqueira não irá encontrar sua essência na semente de uma romãzeira. Nosso tempo de descoberta e percepção é único, assim como é estruturada a madeira de cada espécie. Existem as de crescimento rápido e vida curta, mas também existem as de crescimento muito lento e vida milenar. Ambas vivem no mesmo espaço, e a floresta – tão especial e rica, tão mágica e plena – só é possível porque, todos os dias, elas estão conectadas com sua essência, respeitando seu tempo, respondendo com suas capacidades aos estímulos do mundo em seu entorno. No desenvolvimento, no crescimento, no ser e no agir, descobrem suas novas possibilidades, estabelecem novos encontros e dão continuidade ao ciclo de suas vidas.

E nós? Estamos conseguindo nos manter conectados com o tempo e o fluxo naturais da nossa existência? 

Foto: Juliana Gatti

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