No Estadão do dia 30 de agosto, José de Souza Martins nos presenteia com este artigo.
É muito triste vê-la assim, sozinha e solitária, velhinha, à beira do caminho, sem o afago da brisa do campo nem a mansa ternura da garoa de seus tempos de juventude. Já não há poetas que lhe dediquem versos, nem jovens estudantes que a cortejem. Ou velhos viajantes que a visitem para um dedo de prosa. Ou tropeiros que lhe contemplem a beleza numa tarde de sol. Sobretudo, já não há lágrimas que lhe reguem as raízes. Todos passaram e se foram, todos partiram sem dizer adeus. Foram muitos os anos em que os que vinham de longe, ou para longe iam, ansiavam por vê-la na curva do caminho antigo.
Era ali que todos se davam conta de que o passo adiante era possível, o longe era perto, na sacramental sombra da antecipação da chegada e do ir adiante. Lugar de pouso e de repouso. Lugar de espera e de esperança.
Danton Vampré, acadêmico de Direito, poeta e teatrólogo, dedicou-lhe enternecido poema há 100 anos, no começo do século 20: “Árvore dos prantos, árvore esquecida, tão formosa foste, quão velhinha estás! És como uma branca e solitária ermida, cujos crentes foram-se através da vida, sem voltar os olhos tristes para trás.” Outros admiradores, muito antes, sobre ela deixaram notas e afagos, como A. Emílio Zaluar que ali descansou, em 1861, a caminho de Santos: “Pouco mais adiante de Ipiranga, encontra-se uma belíssima figueira brava, cujos galhos, bracejando em sanefas de verdura, formam um dossel em toda a largura da estrada. É este o sítio das despedidas saudosas. Aqui vêm abraçar-se e jurar eterna amizade aqueles que se separam, para em opostas direções da estrada seguirem depois, e quantas vezes na vida, um caminho e um destino também diversos.”
Montado numa impolítica mula, afeita às durezas da subida da Serra do Mar, mas roceiramente avessa aos atropelos e pressas da história, sob a galhada da figueira passou o príncipe d. Pedro, para alcançar, pouco adiante, e alguns minutos depois, a guarda de honra que o acompanhara desde Santos e se adiantara. Era a tarde de 7 de setembro de 1822.
Nem o príncipe nem a mula estavam preparados para o inesperado do que aconteceria às margens do Ipiranga dali a pouco. Pedro Américo substituiu a mulinha simples e trabalhadeira, em seu quadro celebrativo do acontecimento, Independência ou Morte, por um majestoso cavalo castanho, próprio para aquele grande ato de nosso destino. Do mesmo modo como se imaginava o povo, a mula que carregava o príncipe não se prestava para carregar a história.
A velha árvore sobrevive, ao lado de um ponto de ônibus, na Estrada das Lágrimas, vizinha à casa n.º 515. Acabou abraçada e sufocada pelo crescimento urbano anômalo, no flanco da favela de Heliópolis, como incômodo vegetal atravancando o trânsito. Em agonia lenta, a vergonhosa agonia de nossa memória histórica.